sexta-feira, 23 de abril de 2004

"Cada dia que passa é mais
Uma nuvem. Branca, leve....
Mas lá tão longe e inatingível,
Que todas as vezes que pego
Na caneta para a descrever
Sinto que tenho que ganhar
Asas para lá chegar.
E, meu Deus! Estou tão pesada!
Que é feito da energia
Que me consumiu? Será
Que ardi e agora não sou
Mais do que o esqueleto e as
Cinzas do que fui um dia?
Não é justo.
Amanhã o céu vai estar negro,
E se tudo correr bem há-de
Cair uma boa chuvada,
Água gorda e pesada como eu
Estou a cair do alto e a
Escorrer-me por toda a
Cara, e a transformar o
Risco que trago no cabelo
Num regato, que, sem dúvida,
Há-de vir desaguar aos meus
Olhos.
E com sorte os relâmpagos
Vão riscar os céus como
Giz nos quadros da primária,
E hão-de fazer muito barulho,
E nós havemos de tremer...
Cá dentro, hei-de lutar para sair.
Deixar-me atingir, rezar para
Que me caia o céu em cima
E me parta o molde que visto
Por fora...
Para ver se finalmente consigo
Escapar-me de mim própria,
Fugir e correr, andar sem parar
Até chegar e molhar os pés
Na água salgada e gelada.
E acordar para a vida...
Não é, afinal, o que me falta?

Hoje ainda, a noite é longa
E desesperante.
Sinto-me como sou: fraca.
Quero dormir para acordar.
Amanhã.
Com a chuva."
AS; 04Fev2001

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