A propósito do "agora"
"Ao descer as escadas do mar voltei, finalmente, a enterrar os pés na areia.
Foi bom voltar a sentir o contacto com o mundo e saber que, mesmo girando indefinidamente sobre o seu eixo de gigante, continua com tempo para me receber.
Quanto tempo mais vou ficar presa a Terra, como um pequeno barco frágil, preso no cais num dia de tempestade, como este que hoje cai lá fora, com uma ténue corda a prender todos os movimentos ajudados pelas ondas?
Ao deixar-me entrar na areia molhada, devagarinho, sob o peso do corpo que me leva nesta viagem, levantei os olhos, e entre o céu e o mar voltou a estar o sol, quente e aberto, para me dar as boas vindas.
Talvez seja mesmo o corpo o barco que me prende ao mundo, a única barreira entre a alma e a Terra, que nos permite o contacto e ao mesmo tempo nos impede de desaparecer sob as ondas que ameaçam engolir-nos às vezes, e outras apenas enrolar-nos devagarinho ao sabor do mundo...
Um bocadinho confuso....
Acho que o tempo e o ar de praia, ao mesmo tempo que me abrem o apetite, abrem também os olhos, deixando que tudo o que me rodeia entre devagarinho, para preencher finalmente o vazio que me ocupou um dia.
Afinal, os olhos não são o espelho da alma.
São as portas e as janelas com que nos enchemos por dentro, e que nos deixam ver que há vida lá fora.
Será que é com eles que sentimos?
Será que o nosso coração é apenas um baú antigo guardado no sótão, onde vamos dobrando o que vemos e sentimos para ficar resguardado?
Talvez não.
A maior parte dos baús ficam fechados, e os corações não... (não?)
Estão cada vez mais abertos aos outros que os rodeiam, deixando que os olhos, os ouvidos e as mãos os preencham em cada momento, com uma capacidade quase infinita para dar e receber..."
AS; 07AGO1999
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